Sexta, 21 Outubro 2022 10:00

Com a palavra, a terapeuta de luto, Marianne Branquinho

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É comum que no início do processo de luto, as pessoas ainda estejam atordoadas, em choque, entorpecidas com o que aconteceu. Essa assimilação e compreensão da morte  é muito gradual. Quem nos explica as emoções e os sentimentos que nos atravessam nesse período, é a psicóloga Marianne Branquinho. Em entrevista ao Universo de Rose, que você acompanha abaixo, ela fala sobre as fases que acompanham esse período, as ferramentas que podem te ajudar nessa fase e ainda explica qual foi a motivação para transformar o tema em especialização. Leia abaixo.  

Universo de Rose Dra. Mariane, acho que a gente pode começar entendendo as fases do luto. Quais são?

Marianne Branquinho - Infelizmente ainda é muito comum pensar nas "fases do luto" quando falamos sobre luto. Este conceito foi desenvolvido pela psiquiatra Elisabeth Kubler Ross em seu estudo com pacientes oncológicos, que estavam em fim de vida. No livro "Sobre a morte e o morrer" (1969) ela descreve as "fases do morrer" que seriam – Negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. Porém, essa compreensão vem sendo debatida atualmente por diversos autores que defendem o luto enquanto um processo dinâmico e não linear. Ou seja, a ideia de fases pode sugerir uma padronização ou previsibilidade para algo tão complexo e singular. Sendo assim, Stroebe e Schut compreendem o luto enquanto um "processo dual", em que o enlutado oscilará entre períodos voltados para a perda (falar/lembrar da pessoa que morreu, querer ver fotos/vídeos, se questionar da morte, mexer nos pertences, entrar em contato com sentimentos relacionados à perda...) e períodos voltados para a restauração da vida (retomar rotina, atividades cotidianas, sociabilidade, reconstruir sua identidade...). Isso explica os altos e baixos que são tão frequentes no processo de luto.  

UR - Ouvimos de muitas pessoas que já tiveram uma grande perda que às vezes a dor parece aumentar com o tempo. Por que isso acontece? Você pode nos dar uma ferramenta para lidar com essa sensação?

MB - É comum que no início do processo de luto, as pessoas ainda estejam atordoadas, em choque, entorpecidas com o que aconteceu. Essa assimilação e compreensão da morte ela é muito gradual.Costumo dizer que a perda vai se tornando mais concreta no cotidiano. Portanto, é no dia a dia que a falta se faz presente. É quando você se dá conta que agora é necessário colocar um prato a menos na mesa, é quando você pega o celular para mandar uma mensagem para contar da novidade e percebe que não é mais possível, é quando você não escuta mais o barulho do carro chegando mais naquele horário.Infelizmente não existe um jeito de se privar disso, pelo contrário, é justamente o enfrentamento dessas situações de ausência que permite a assimilação da perda. Portanto, o "enfrentar" é fundamental nesse momento.

UR -  O que significa validar os sentimentos no luto e por que isso é importante?

MB - Validar é poder reconhecer e aceitar que aquele sentimento existe. É poder abrir a porta para ele entrar ao invés de tentar lutar contra ele. Pode parecer contraditório, mas é justamente, o fato de poder encarar certos sentimentos, poder sentir e expressar, que faz com que eles se acomodem. O esforço psíquico para evitar é sempre muito maior do que aceitar.

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UR - O que não é considerado normal, dentro do processo natural do luto. Como diferenciar o normal do patológico?

MB - No processo de luto é sempre importante nos atentarmos para a intensidade e prolongamento das reações. Por exemplo, sentir raiva ou culpa é algo comum em um processo de luto, porém se isso se estende, se torna um pensamento ruminativo e que traz prejuízos, isso já algo que merece atenção. Da mesma forma quando a pessoa apresenta dificuldade intensa de seguir com a vida que continua, retomar as atividades, manter o autocuidado, manter relações sociais, podem ser indicativos de que a sua funcionalidade está prejudicada. Além disso, tem fatores de risco que precisam ser atentados como o uso abusivo de álcool ou outras drogas, transtorno psiquiátrico prévio que pode se intensificar nesse momento, ideação suicida.

UR - Como a psicoterapia pode ajudar uma pessoa enlutada no mais profundo sofrimento?

MB - As pessoas pensam que uma psicoterapia do luto vai ajudar o enlutado a "superar" aquela perda ou esquecer o que aconteceu. Mas isso não existe! Toda perda é para sempre, não é possível mudar esse fato, mas é possível construir novos significados a partir disso. A psicoterapia pode auxiliar a pessoa a integrar a perda em sua vida; a sentir, nomear e expressar os sentimentos envolvidos; a conhecer e se apropriar do seu processo de luto; a conseguir se reorganizar com as inúmeras mudanças... Enfim, a psicoterapia ajuda a olhar para a perda, mas também a olhar para a vida que continua.

UR - Para quem não tem acesso à terapia, quais dicas você pode deixar?

MB - Como o luto é um processo natural diante de uma perda significativa, a minoria das pessoas vai realmente precisar de um acompanhamento psicológico.  A maioria das pessoas pode se beneficiar de um acompanhamento, mas também pode atravessar esse processo com o apoio de amigos, familiares, grupos religiosos... O suporte social é fundamental no processo de luto! Costumo dizer que o luto precisa de gente! Pessoas que reconheçam e validem a sua dor, pessoas que te deem colo e cuidado, pessoas que também conversem sobre outros assuntos com você e te enxergue para além doluto.Além disso, a arte é uma ponte valiosa para acessar sentimentos ou expressar o que nem sempre se consegue dizer. Portanto, ler livros sobre o tema, assistir a séries e filmes, ouvir música, podcasts... Poder se identificar com histórias semelhantes traz conforto e a sensação de pertencimento.

UR - O que te levou a se especializar em terapeuta de luto?

MB - Meu interesse no tema veio a partir de perdas pessoais que tive ao longo da minha vida e que me deixaram inquieta em relação ao tabu da morte. Mas foi a perda do meu pai que fez com que eu realmente fosse atrás de saber mais sobre o assunto. Ele teve câncer e na época eu estava no fim da minha graduação em Psicologia. Vivemos um processo de luto antecipatório que pouco a pouco foi mudando a minha vida, minhas percepções sobre o mundo e sobre minha própria finitude. Foi um processo intenso, doloroso, mas de muito crescimento pessoal e espiritual. Encontrar vida na morte e amor na perda me impulsionou a querer ajudar a travessia de outras pessoas e a mudar o jeito de se falar sobre a morte, não como algo mórbido e proibido, mas com leveza e naturalidade. 

Rosângela Cianci

Jornalista, repórter, palestrante, apresentadora, produtora de TV, idealizadora do site Universo de Rose. Incansável observadora do cotidiano, sou apaixonada pelo que faço. Ex-Secretária Executiva, sempre lidei com Diretoria e Presidência, mas, prestes a completar Bodas de Prata na área, resolvi desengavetar um sonho antigo: o Jornalismo. E parti pra nova luta com 40 (e uns anos), pois meu negócio é escrever e conversar sobre assuntos de A a Z...

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